segunda-feira, 23 de abril de 2012

Como se fosse ontem


Hoje acordei em ares do céu de maio do final dos anos 80. Tudo estava muito calmo, e mesmo em um outono quente e de poucas colheitas, senti a leve brisa soprar o meu rosto, e aquela sensação me levou de volta aos invernos frios de minha ingênua infância.
O murmúrio do vento trazia consigo a voz do meu pai a aboiar o gado, e as folhas secas a se movimentarem pelo chão fazia-me lembrar de minha mãe varrendo a varanda. Os cânticos agonizantes dos pardais refrescava-me a memória a lembrança de uma maritaca que a vovó criava.
O sol começou a apontar timidamente no horizonte, e trazia e sua pureza o brilho radiante de uma saudade renovada que refletia uma esperança em meus olhos. Ao sair na varanda me apoiei na galha da mangueira, e foi quando eu me encontrei de volta ao passado no terreiro da fazenda; fechei os olhos, e no filme de minha memória encontrei os bezerros a escabriolar pela malhada; o meu tio, juntamente com o meu pai chegavam molhados do orvalho da madrugada montados em seus cavalos. Pai tocava a pareia de boi qual logo mais tarde, depois de encangados, puxaria o carro com a lenha da fornalha.
Os uivos dos coções do carro cantando, eram como música para a minha mente antes despreocupada, e como se ainda fosse ontem abrir os meus olhos enquanto aquele belo filme ainda passava na tela de minha mente.
Voltei para dentro de mim, e foi quando conseguir saborear o doce da garapa que escorria da moenda que lentamente moía aquela cana caiana, puxadas pelos bois Carboreto e Carbonato. A santa paciência do tio Nando ao partir um limão para misturar na garapa causava-me náuseas. E me consolava ao ouvir Marino cantar uma chula enquanto lavava os tachos, e nesse instante meu pai acendia o fogo da fornalha. Nessa altura já era em torno das 10 da manhã e toda a criançada já se fazia presente, circulando em torno do engenho e meu tio avó Manoel bradava desaprovando aquela ação.
A garapa que antes escorreu pela moenda, desceu pela bica e chegou ao túnel, já borbulhava fervilhante e Marino agora retirava a sua espuma. Nisso meu pai batia aquela massa pastosa que antes fora melaço e já se transformava na saborosa rapadura quente. Nós em torno da gamela com as tabuletas na mão só queria provar da primeira taxada; e Moura lá no bagaceiro, raspava uma cana para fazer uma puxa, enquanto lá dentro Tim Tim se entusiasmava ao falar da mulherada...
... Nesse momento o sol dividia o céu, era meio-dia, e juntamente com Raquel minha mãe chegava com a comida da rapaziada. Pai como sempre solícito, pedia para que tio Nando parasse o engenho e pusesse os bois para descansar, enquanto de dois em dois todos almoçavam. E a essa hora do dia a pequena casa do engenho que era coberta de palha, encontrava-se aquecida com o calor da fornalha e completamente lotada, pois, parte da população do povoado ali se fazia presente ao saborearem aquele doce dos mais naturais.
E quando eu me encontrava no pico do meu sonho acordado, ouvi o zumbido de uma abelha e aquilo me pareceu ainda bem mais real: cheguei a concluir que ela teria ido ali buscar um pouco da cera da cana para fazer a sua própolis. E desarmando-me da minha realidade passada, meu colega me questionava sobre uma situação do mundo atual, ai foi quando a ficha caiu. Percebi que eu estava vivendo apenas um retrato da realidade de outrora, que muito bem conservado estava em minha mente guardada.

                                                                                                          Josemário o poeta Caipira